Divirtam-se ...
A Cabala das mulheres
Um rito de iniciação ao misticismo judaico reuniu 12 mulheres num workshop no interior de São Paulo. CLAUDIA enviou sua representante para participar e aprender lições que antigamente eram exclusividade dos homens.
Uma cambalhota na percepção do tempo: assim inicia a minha viagem cabalística. Chego ao Centro de Estudos Mandala – em Itatiba, no interior de São Paulo – na hora do Shabat. Diferentemente dos católicos, que repousam no domingo, o sétimo dia da semana dos judeus começa no fim da tarde da sexta-feira e termina no crepúsculo do sábado.
O calendário hebraico é lunar – o dia sagrado começa de noite. Apesar de não ser proibido, não há homens no workshop. Acho curioso. Afinal, nos tempos antigos a cabala era assunto reservado a eles, e só aos maiores de 40 anos. Acreditava-se que os ensinamentos ofereceriam risco aos jovens e às mulheres – o perigo seria sucumbir à loucura transcendente. Claro que hoje não é mais assim.
Madonna que o diga, a musa pop é fã de ioga e cabala. No nosso círculo cabalístico, há 12 mulheres. A mais nova é uma videomaker de 38 anos; as mais velhas, uma escultora de 72 anos e uma ex-modelo de 80 anos, com cabelos vermelhos curtos e arrepiados. No total, somos oito alunas, duas anfitriãs do centro de estudos e duas mestras, Leana Naiman Bergel, psicoterapeuta corporal, que orienta as práticas de dança, e Rachel Reichhardt, educadora, forma da em comunicação visual, estudiosa de literatura hebraica e coordenadora de grupos de estudos de mística judaica e cabala há mais de dez anos. Terminadas as apresentações, Rachel dá início à sua palestra.
A arte de receber: Cabala significa receber. Ser receptiva é uma arte sutil, pressupõe confiança e aceitação. Além disso, não existe receber sem dar – esse é o eixo onde transitam os cabalistas. Para assimilar essa lição mística, é aconselhável ter um mestre que ajude na interpretação dos livros antigos – entre eles o famoso ZOHAR, do século 3, na verdade uma coleção de 18 volumes escritos em aramaico, em forma de parábolas.
Segundo o rabino David A. Cooper, autor de A CABALA E A PRÁTICA DO MISTICISMO JUDAICO (ED. CAMPUS), os insights cabalísticos desafiam nosso senso de realidade porque partem do princípio de que há segredos ocultos por toda parte – daí a existência de várias técnicas para decifrar os códigos contidos na TORÁ (o VELHO TESTAMENTO; a palavra torá significa lei ou ensinamento).
Longe de ser um sistema ordenado do mundo, a cabala é definida como uma forma de percepção da realidade, que se manifesta em quatro níveis: físico, emocional, intelectual e espiritual. Essa percepção vai se refletir em pensamentos, palavras e atos mais conscientes e equilibrados no nosso dia-a-dia.
“A cabala oferece uma visão horizontal de Deus. Não estamos apenas a serviço Dele, mas atuamos com Ele, sendo portanto co-criadores do mundo”, observa Rachel. Como o aprendizado vai além do processo intelectual, no workshop há meditação, música, dança, histórias. É importante manter-se presente e atento porque tudo está ligado, não existe acaso nem coincidências. Apenas “god-incidências”, como diz Rachel, brincando com a palavra God, Deus em inglês.
A palestra pega fogo quando começam as perguntas. Uma moça quer saber como os cabalistas vêem o poder da atração. Seria possível atrair coisas boas apenas com pensamento positivo? A professora não nega a importância dos pensamentos, porém considera que essa idéia, tão em voga, pressupõe a tentativa de controle dos acontecimentos. E, para o cabalista, quanto maior a consciência, menor o desejo de controle. Até porque quem quer controlar tudo deixa de ser receptivo ao que a vida oferece. “O escravo quer controlar, o liberto não”, diz a mestra. Encerramos a conversa com um canto coletivo e passamos à sala de jantar, onde o ritual de acender as velas de um castiçal e dividir um pão recém-saído do forno parece aumentar a sintonia do grupo. É servido um jantar vegetariano, regado a muita conversa. Antes de dormir, as professoras nos convidam a prestar atenção nos sonhos como uma forma de nos manter conectadas.
Estrela da manhã: Não me lembro de sonho algum. Dormi como uma pedra no meu chalé de frente para um vale verde. Pela manhã, recebo a visita inesperada de um gato. Gosto dele e penso em “god-incidências”. Chove. Após o café, todas as mulheres vão para um amplo salão. Ganhamos uma folha de papel onde devemos listar algumas de nossas características. A seguir, Leana convida-nos a dançar essas qualidades. Danço minha flexibilidade e também a minha rigidez, minha capacidade de expansão e de recolhimento. Mas na hora não penso em nada disso (nem na lista que escrevi), só vou no embalo da música. No fim, me encolho e alguém me abraça. Eu me deixo aconchegar – aprender a receber tem vantagens imediatas.
O próximo exercício consiste em desenhar uma estrela numa folha de papel. Em cada ponta tenho de escrever nomes de pessoas queridas e também o meu. Depois, devo me lembrar de qualquer ato que tenha surtido efeito sobre esse grupo – elegi nomes de familiares, recordo de um almoço que promovi em minha casa e alegrou a todos. A instrução seguinte é: coloque amor nessa estrela e veja o que acontece. O grupo se comove em silêncio. O trabalho segue: agora precisamos escolher uma pessoa dessa lista e desenhar a estrela pessoal dela... E assim vamos retirando outros nomes da estrela inicial e fazendo novas estrelas, que dão origem a outras etc. No final, fica evidente a nossa interdependência. Um ato ou uma omissão afeta toda a constelação. É tão óbvio, mas tão fácil de esquecer a dimensão dessa via láctea e do quanto ela se fortalece sob a ação do amor.
A ÁRVORE DA VIDA
O símbolo é uma representação gráfica do projeto da criação divina
1 - Keter/Coroa Energia primordial, princípio de tudo o que existe
2 - Chochmá/Sabedoria Fonte das idéias, suprema razão
3 - Biná/Compreensão Processo criativo, as idéias ganham forma
4 - Chessed/Bondade Poder associado ao pai misericordioso, expansão
5 - Gevurá/SeveridadeVontade e dever, restrição
6 - Tiféret/ Inteligência mediadora Beleza, afeto e sensibilidade
7 - Netzach/Vitória Instintos e emoções
8 - Hod/Esplendor Mente concreta
9 - Iessod/FundamentoMecanismo do Universo, noção dos processos subjacentes à criação
10 - Malchut/Reino Mundo material, síntese de pensamento, vontade e ação.
A árvore da vida é um dos símbolos mais conhecidos da cabala. Observe o desenho a cima: são dez esferas, chamadas de sefirot, consideradas emanações – canais por onde a luz divina se manifesta. A árvore é complexa, pois os três pilares e os 22 caminhos que ligam cada esfera também têm significados. Além disso, ela deve ser encarada de modo holográfico, ou seja: cada esfera contém em si toda a árvore. Para os iniciantes, há alguns aprendizados fundamentais: nunca perder de vista a dinâmica, porque o equilíbrio não é ficar parada em uma ou outra esfera (mesmo que ela lhe pareça ótima), e sim circular por todas, aprendendo a administrar as diversas qualidades e seus opostos. Assim, rompe-se a dicotomia entre sagrado e profano; entre a idéia de que o superior está acima e o inferior abaixo. Afinal, a última esfera da árvore pode ser também a primeira de uma árvore que fica abaixo dela e assim sucessivamente – como se o bosque da criação crescesse simultaneamente para cima, para baixo e para os lados.
É interessante ver em que sintonia você está a cada momento do dia ou da vida para fazer a compensação. Por exemplo: a severidade de gevurá (5), que pressupõe autocontrole e a capacidade de dizer não, equilibra a bondade generosa de chessed (4), pois doar tudo, de modo descontrolado, pode gerar pobreza, desperdício ou mesmo sufocar as relações.
Enfim, a árvore é viva. Pudemos senti-la na pele no último dia do workshop, ao longo de um passeio na natureza, com direito a pausa numa clareira – onde se formou um círculo de mulheres doadoras e receptoras de força e fertilidade. Não dá para contar tudo em palavras. Ainda bem. É por isso que a gente precisa respirar, cantar e dançar, deixar a árvore crescer.
"QUANTO MAIOR A CONSCIÊNCIA, MENOR O DESEJO DE CONTROLE"
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